Licor de Cacau

Licor de Cacau - 1ª Temporada - #7 - Miraflores

abril 05, 2017Cacau dos Santos

Imagem: Unsplash
(1) Sobre fundo preto surgem, em letras brancas, sucessivamente, as seguintes frases:

AVISO: A história a seguir contém linguagem atípica, palavrões, termos em inglês, muitos pontos de exclamação e referências da cultura pop e, devido ao seu conteúdo, este pode causar crises de risos e nostalgia aos leitores. Todos os personagens e eventos - mesmo aqueles baseados em pessoas reais - são fictícios. Se por ventura você se identificar com algo que foi escrito ou com alguém citado, isso significa que a sua loucura se parece um pouco com a minha e aproveite esse momento de coincidência para me seguir no instagram: @thecacaudossantos

(2) As frases desaparecem em fade e surge título da série seguida da primeira cena

LICOR DE CACAU
EPISÓDIO 7 – MIRAFLORES
Escrito por: Cacau dos Santos

Rio de Janeiro, bairro das Laranjeiras
27 de fevereiro de 2017
18h25 pm

Olho direto pra câmera e falo: Confessar uma coisa pra vocês, esse momento até parece série do Netflix!

Me volto para Chouriço e começo uma conversa calorosa.

- Eu não tô acreditando! Chouri! É você mesmo! Caramba cara, não te vejo a, sei lá, já faz uns 20 anos! – Falo lhe dando um forte abraço.
- Mais que isso! Da última vez que nos vimos nós tínhamos o quê? Uns 6 pra 7 anos?!
- Acho que sim, por aí!
- Mas e aí, como que você tá?
- Eu tô ótima, e você?!
- Aaah eu tô bem, também. E o seu pai? Como ele está?! – Pergunta ele com uma empolgação.

PENSO Essa empolgação toda chega a me irritar! Aliás qualquer um que pergunta do meu pai com certa empolgação me deixa irritada! Mas não é culpa do sujeito estar assim tão animado, meu pai, nos meus tempos de criança, era aquele tio legal que brincava com todo mundo, oferecia doces e causava inveja pois todos os meus amiguinhos queriam um pai tão legal e presente como o meu.

Respiro fundo por alguns segundos e respondo:
- Tá bem, eu acho. Pelo menos da última vez que nos vimos, que foi o que? A uns 3 anos atrás... então, dá última vez que o vi ele ainda estava vivo! E como notícia ruim vem rápido eu acho que ainda está existindo em algum lugar entre São Gonçalo e o inferno na terra.
- AÃH?! – Estranha Chouri.
- É que eu cortei relações com o meu pai, longa história, te explico depois, mas e o seu pai, como está?
- Tá bem, mesma coisa, ora aqui, ora em Portugal, nem ele e nem a minha mãe vão acreditar quando contar que reencontrei você, Camilinha, a sobrinha da Tia, a espevitada Camilinha!
- Cara, muito louco isso, se tivéssemos planejado ou procurado, não daria certo!

Daí vocês estão se perguntando: quem UADARÉL é Chouri? Então vamos lá:

FLASHBACK
Chouri, de Chouriço, apelido (nada) carinhoso dado a Antônio Carlos da Conceição Ribeiro, filho mais velho de Maria Quitéria da Conceição e Vicente Caldas Ribeiro. Nos conhecemos aos 5 anos de idade, quando começamos a estudar no Centro Educacional Miraflores, uma escola top... pra filhinho de papai pra ser mais exata. Naquela época a minha tia trabalhava como monitora infantil deles e por isso conseguiu uma bolsa pra mim, para orgulho e ostentação da minha mãe, que viu sua única filha iniciando os estudos com chave de ouro! Mamãe enchia a boca pra dizer que eu era do Miraflores! OK, a questão toda era que eu era a ÚNICA criança negra do colégio! A ÚNICA! O bendito fruto, mas sabem que eu nunca senti ou sofri nenhum tipo de preconceito das outras crianças, pelo contrário, todas sempre me trataram super bem! Só rolava aquela birra de idade como “você não vai brincar com a gente porque é menina” ou “Você não gosta das Tartarugas Ninja? Como você é chata” e nada mais grave que isso. Mesmo assim, por alguma razão cósmica, eu acabei pegando amizade com Antônio, o outro aluno bolsista, além de mim, que havia lá na época. A mãe de Antônio, tia Quitéria, também era monitora e também havia conseguido uma vaga para o filho, daí sacomené, bateu a química. Foi amor a primeira traquinagem. Nos adorávamos mas não desse jeito que estão pensando, eu amava o Antônio como amigo mesmo, sem malicia alguma, também porque nós tinhas 5 anos e era uma época diferente, onde crianças ainda se permitiam ser crianças. Então, acontece que um não fazia nada sem o outro e Antônio se tornou o meu primeiro BFF EVEEEEEER!



Pois é, geralmente as primeiras BFFs de uma garota são outras garotas mas no meu caso foi esse sujeito aí.

O apelido Chouriço veio por causa do pai de Antônio, o Seu Vicente, que é português e se mudou para o Brasil nos meados dos anos 70.

Logo conheceu Quitéria, uma mulata sangue bom e com samba no pé e aí já viram...


9 meses depois nasceu esse menininho mestiço, bochechudinho e todo fofo (sério, ele era uma gracinha quando criança, dava vontade de morder!). Ao tentar a vida no Brasil, o Seu Vicente abriu um bar no bairro Catete e, de petisco, ele servia salaminho aos clientes mas vivia dizendo que este não se comparava aos chouriços de Portugal. Pronto, o apelido pegou – Chouriço. Bar do Chouriço. E logo isso respingou no pobre Antônio que virou Chouricinho (brasileiro não perdoa, não é mesmo?). Como o apelido chegou até o Miraflores, eu não sei, só sei que as outras crianças encarnavam no coitado todos os dias, o chamando de Chouriço. E eu, como uma boa amiga que sempre fui, o defendia ferozmente! A implicância só acabou quando, numa bela tarde de primavera, durante o recreio, ao ver meu best sofrendo bullying – que na época era “coisa de criança” – eu não aguentei e subi no banco que ficava no pátio da escola e gritei para todos ouvirem:
- O NOME DELE NÃO É CHOURIÇO, É CHOURI, TÁ! XOU-RI! TANTO QUE ELE TEM ATÉ UMA MÚSICA SÓ DELE E VOCÊS NÃO! ENTÃO PAREM COM ISSO AGORA! VOCÊS NÃO SABEM DE NADA!

E as outras crianças pararam mesmo de aborrecê-lo. Todo baixinho é metido a chefe e é invocado, né mesmo?!

Mas Antônio ficou encucado e, timidamente, me chamou no canto do pátio e perguntou:
- Por que Chouri?

E eu, sagazmente, respondi:
- Porque é Chouriço em inglês (Aham Claudia), e tudo em inglês fica mais importante, foi minha mãe que disse isso (Isso foi verdade). Ela disse que tudo o que vem de fora é melhor (Isso ela me dizia mesmo, olha a síndrome de vira-lata brasileiro), por isso você é Chouri e não Chouriço.
- E que música é essa que eu tenho?
- Nunca ouvi? Tá na rádio, o meu pai sempre escuta na FM 105, é uma assim: ♪ Chouri dom laiqui roquim cabam, roquim cabam ♪

...então gente, não me perguntem mais eu ouvia ‘Rock the Casbah’ do The Clash e jurava que eles falavam o nome do Chouri no refrão!
♪ The Shareef don't like it
Rockin' the Casbah
Rock the Casbah
The Shareef don't like it
Rockin' the Casbah
Rock the Casbah ♪

Daí eu cantava:
♪ Chouri dom laiqui roquim cabam, roquim cabam
Chouri dom laiqui roquim cabam, roquim cabam ♪

Crianças. E quem nunca? Nos anos 80, quando não havia essa coisa chamada internet e Vagalume.

Aliás, taca-lhe play aí:


Enfim, Chouri e eu erámos aqueles amigos inseparáveis, unha e carne, pão com manteiga, Tom e Jerry, Juba e Lula. Claro que eu era muito mais atentada que ele e o colocava nas situações mais loucas que vocês podem imaginar tanto que várias foram as vezes que fomos parar na diretoria da escola. Tia Quitéria ficava pra morrer, e minha Tia sempre me dava uma bronca, mas não adiantava, no dia seguinte lá estava eu fazendo merda e arrastando Chouri comigo e ele, como um bom e fiel amigo, ficava do meu lado. Fora que, como falei, era uma época sem malícia então nós, literalmente, fazíamos tudo juntos. Escovar os dentes? “Posso ir com o Chouri”. Trabalho em dupla? “Posso fazer com o Chouri?”. Segurar na mão do amiguinho para não se perder no passeio? “Pode ser a do Chouri?”. Ir no banheiro? “Posso ir com o Chouri?”


SOM DE DISCO ARRANHANDO ENFATIZANDO O MOMENTO “WHAAAAT?!”



... Peraê, ir no banheiro juntos? É, ir no banheiro! Iamos no banheiro juntos, sim! De boas! Ora era no das meninas (para matar a curiosidade dele), ora era no dos meninos (para matar a minha curiosidade). Aliás nunca me esquecerei da primeira vez que entrei no banheiro masculino e vi o mictório colado da parede.
Pensei “Ué, por quê que a privada de vocês é assim? Não entendi?!”.
Chouri, também na sua inocência, me explicou:

- Eu faço xixi aí.
- Mas como? É alto, não dá pra sentar.
- Mas eu não sento, eu faço em pé.
- O QUÊ? VOCÊ FAZ XIXI EM PÉ?! – Pronto, foi um mundo novo se desabrochando diante de meus inocentes olhos cor de café.
- Faço! Você não faz? – Perguntou ele assustadíssimo.
- Não, eu faço sentada como todo mundo.
- Não, todo mundo faz em pé!
- Mentira, faz sentado! Vou te mostrar.

E sim, eu sentei no mictório, com toda a dificuldade do mundo mas sentei, e fiz xixi na frente de Chouri para mostrar que estava certa e ele errado. O bichinho XOKOU!


- Nossa, você faz mesmo xixi sentada! Não sabia que dava pra fazer assim. Olha como eu faço.

E sim, Chouri fez xixi na minha frente, botou o chouriçozinho pra fora e fez o que tinha de fazer e ainda deu aquela sacolejada esperta no bilau conforme o pai havia lhe ensinado.
- Viu, é assim que se faz. – Disse ele todo orgulhoso.
- Mas Minha Nossa Senhora, como você conseguiu fazer isso? Eu também quero fazer xixi em pé!

E naquele momento nasceu dentro de mim uma vontade louca de fazer xixi em pé mas claro que, por questões óbvias, eu nunca consegui realizar tal feito mas é algo que, até hoje, mexe com minha imaginação. Quando chega no Carnaval e vejo um folião dando aquela urinada escrota num muro, eu só penso “Porra, que vacilo, poderia ser eu! Mulher tinha de ter um trocinho pra fazer xixi em pé também!”

Enfim, foi graças a Chouri que eu também descobri que roupa de baixo masculina é muito melhor que feminina. Uma vez fui dormir na casa dele e na hora de botar o pijama a tia Quitéria viu que a minha mãe havia esquecido de colocar na minha mochila umas mudas de calcinhas (como é que minha mãe foi esquecer uma coisa dessas?). Daí o que ela fez? Me vestiu uma cueca de Chouri... Rapaz, pense numa maciez! Aquele troço fofo, confortável e com “espacinho”... EU AMEI!

- A cueca não me machuca! – disse a ele feliz da vida.
- HÃ?!
- A cueca não me machuca, calcinha faz dodoí na perna e cueca não, vou pedir pra minha mãe só me vestir de cueca!

O que acontecia é que minha mãe me comprava aquelas calcinhas de babado e cheias de frufrus e o elástico dos detalhes eram tão apertado que marcavam as minhas coxas. Por isso ao usar cueca eu me senti no céu. Pronto, só queria usar isso mas nem preciso dizer que minha mãe me deu um sermão e disse que cueca era coisa de menino e menina só poderia usar calcinha. Pois bem mãe, olha eu aqui de calção da vovó que mais parece um fraldão e sabe por que isso? TRAUMA! A CULPA É SUA, TODA SUA!

Bom, como puderam ver a mina amizade com Chouri foi marcada por grandes momentos e por ele ter sido o primeiro homem da minha vida, muito da minha visão sobre o mundo foi meio “masculinizada” mas nunca me importei, como não me importo até hoje. E teríamos sido muito felizes se, depois de 3 anos de amizade, aventuras e tudo mais, o pai de Chouri não tivesse tido a brilhante ideia de voltar para Portugal para resolver questões familiar. Com isso Chouri e tia Quitéria foram rumo ao desconhecido, deixando tudo e todos para trás.

Me lembro da nossa despedida, foi no próprio Miraflores, no final da aula, no portão do colégio. Já estava anoitecendo e todos estavam indo embora e nós ali, abraçados, ou melhor, eu o agarrando e soluçando de tanto chorar, enquanto minha tia e tia Quitéria nos observavam.
- Não vai Chouri, por favor! – Implorava ao meu amigo.
- Não quero ir mas quero andar de avião. – Sim, para acalmá-lo, tia Quitéria disse que ele andaria de avião pela primeira vez e isso fez com que ele aceitasse a ideia de se mudar. Até eu, no lugar dele, aceitaria essa chantagem mas como eu não era ele então eu não queria meu amigo longe de mim.
- Não vai, fica, mora comigo e com o meu pai e minha mãe, eles vão ser seu pais também. Você pode dormir na minha cama.
- Ele precisa ir, Camila – Explicou a minha tia me afastando dele – Vocês vão se ver de novo um dia, não se preocupe.
- Quando a gente crescer? – Perguntei.
- Antes disso, você vai ver. Além do mais um vai poder mandar cartinhas para o outro. Vocês já são grandinhos, já sabem ler e escrever, podem muito bem trocar correspondência. Imagina que legal vai ser receber uma carta lá de Portugal. – explicou minha tia, quando ela conseguia ser razoavelmente legal.
- É! – Até me animei com essa troca de selos internacional. Mas, mesmo assim, ia estar longe de Chouri.

Nos abraçamos mais uma vez e prometemos sempre escrever cartas um ao outro. E assim Chouri se foi. Até escrevi umas cartas e fiz uns desenhos pra ele. As colocava num envelope que eu mesma fazia (a designer que sempre foi designer mesmo sem saber da existência do design), e os dava a minha mãe para colocar no correio e ela me garantia, GARANTIA, que estava postando tudo mas anos depois eu descobri que ela nunca fez nada disso pois Sedex internacional, naquela época, era o olho da cara então mamãe guardou tudo o que escrevi numa pasta e a enfurnou no fundo do armário.

E com o tempo eu fui esquecendo o Chouri e Chouri foi me esquecendo. Crescemos, tivemos muitos outros BFFs ao longo do caminho, frequentamos muitos banheiros diferentes, compramos todos os tipos de cuecas e calcinhas que vocês possam imaginar e eis que, numa bela noite de segunda-feira de Carnaval do ano de 2017, comigo usando tiara de Unicórnio + biquíni preto e saia tule azul-marinho, e ele vestido de pirata (fantasia montada comprada Uruguaiana), eis que nos reencontramos!

FIM DO FLASHBACK


- A espevitada Camilinha, era assim que minha mãe te chamava – diz ele segurando o riso.
- É, era esse o meu apelido, para ela não me chamar de praga, peste, demônio...
- HAHAHAHAHA!
- Sério, eu era mesmo atentada mas isso ficou pra trás.
- E aí, o que tem feito da vida?
- Bom, eu me formei em Design.
- Sério?!
- UHUM, mas no momento tô desempregada, fui demitida no final do mês passado, voltando de férias, acredita?
- Caramba cara, que bad.
- Pois é. Mas tá de boa, eu vou aproveitar esse momento para tentar investir numa “carreira solo”, ser autônoma, pegar uns serviços por fora, sabe? Com isso vou ter mais tempo pra mim, pra descansar e também para investir em outras coisas que estou afim como um curso de fotografia e, até mesmo, viajar! Cara eu amo viajar... mas e você, o que tem feito? Onde está morando? - Eu moro por aqui mesmo, em Laranjeiras, no Almirante Salgado, um pouco depois do Miraflores.
- Aquela rua que você sobe a vida inteira?!
- Essa mesma!
- Porra, só de pensar em subir aquilo tudo eu já me canso!
- É, é uma subida, e eu moro bem no final dessa rua, mas olha, eu adoro aquilo ali. Tô rachando o espaço com mais 2 colegas de banda.
- Colegas de banda?
- É, eu tenho uma banda de heavy metal.
- Jura?! – Pergunto assustada.
- Juro! – responde ele com todo o entusiasmo – Pegamos esses sucessinhos de momento, tipo Justin Bieber e SimayaraSimoneMaraysa e fazemos versões metal.
- WHAAAAAAAT?!!!
- É cara, é muito louco, você precisa ouvir! Segue a gente nas redes sociais, é DEMODES KILLERS, o “THE” se escreve com D e E, é um trocadilho, sabe?
- Aaah entendi, The Mode´s Killers, Os Assassinos dos Modos.
- Isso! Do tipo “vamos acabar com esse modo estúpido de como a indústria da música tem levado a sério esses artistazinhos fracos e de modinha”.
- Nossa, que profundo, Chouri... quero dizer, Antônio, você nunca gostou desse apelido “Chouri”, né?
- No início eu não gostava mas depois que você me disse que tinha uma música com o meu nome, tudo mudou.
- MEO DEOS, você ainda se lembra disso?!
- Lembro, claro! Aliás qual era a música mesmo?
- HAHA, era ‘Rock the Casbah’ do The Clash!
-É, essa aí mesma! Caramba, como, me diz COMO você fez essa ligação?
- Eu sei lá, só fiz! Na época eu achava que eles falavam CHOURI no refrão! HAHAHAHA!
- Cara, acredita que, até hoje, a minha mãe ri disso! Muito louco! Que fase boa a gente viveu, não é mesmo?
- É... – e bate aquela nostalgia melancólica repentina em mim, erámos mesmo tão felizes quando crianças - ...uma pena vocês terem ido para Portugal, mas deve ter sido incrível lá!
- Mais ou menos, sabe por que meu pai nos levou pra lá?
- Não, por que?
- Porque ele tinha uma segunda família.
- AHÃ?! – Me assusto.
- É, ou melhor, nós erámos a segunda família dele! Papai é louco, cara, sempre foi! Saiu de Portugal e deixou pra trás mulher e filho, acredita? Eu tenho um irmão mais velho, Joaquim, que só fui descobri que tinha quando cheguei lá! O que acontece: a primeira mulher do meu pai descobriu que ele tinha se casado de novo quando chegou no Brasil e mandou uma carta dizendo que, se ele não voltasse, ela venderia a casa que era do meu avô, pai do meu pai, e sumia no mundo com o meu irmão. Daí meu pai voltou pra Portugal para tentar resolver as coisas mas, sei lá o que deu na cabeça dele, que levou a mim e a minha mãe junto. - E a sua mãe não sabia que ele tinha outra esposa?
- Não, não sabia! Coitada, não fazia a mínima ideia! Foi descobrir só quando chegou lá, comigo! E foi uma confusão dos demônios! Só sei que eles se separaram e ela ficou em Portugal por uns 4 anos e depois voltou comigo para o Brasil. Daí se casou de novo e teve mais 2 filhos, meu irmão Fábio e minha irmã Julia.
- Nossa Chouri, então você tem 3 irmãos?!
- 5! Meu pai teve mais 2 filhos depois disso, com outra brasileira! Não aguentou ficar em Portugal com a primeira esposa e voltou pra cá, mas como minha mãe não quis mais nada com ele então se enrabichou por outra passista e teve mais 2 filhos! Te falei, meu pai é louco!
- HAM! Eu tô chocada! – E tô mesmo.
- É, loucura.
- Quer dizer, esses anos todos, você estava bem perto e eu achando que você estava de boa na Europa.
- Nada! Até gosto de lá mas meu coração é vira-lata e pertence a isso aqui. – e ele fala isso abrindo os braços meio que tentando “exibir” o espaço ao nosso redor.
- E olha que loucura maior ainda, somos vizinhos de bairro! Eu moro no 336 da Rua das Laranjeiras.
- O Favelão?
- É! É, esse mesmo, mas não é mais Favelão, ele passou por um extreme makeover significativo!
- É, eu sei, minha irmã Julia mora ali com o namorado.
- MENTIRA!
- Te falando!
- Cara, que BIZARRO, estávamos muito próximos esse tempo todo! – Isso explica o porque de sempre vê-lo, ao acaso, pelas ruas. - Num é. E você tá a mesma coisa, não mudou nada, só esticou!
- HAHAHA, todo mundo diz isso.

De repente olho para a entrada da lanchonete e vejo o rosto de Johnny que parece estar me procurando. Levanto o braço e aceno a fim de ser vista. Ele me nota, acena de volta e chama Fabricia e Mallu para perto dele e, em seguida, os 3 a caminham na minha direção. Johnny vestido de “Beyoncé anunciando a gravidez de gêmeos no instagram” e Fabricia e Mallu de “Menino fã do Raça Negra que pergunta ‘Ô Planta, cê gosta de Raça Negra?’ “, gente eu AMO os meus amigos!

Fantasia do Johnny:


Fantasia da Fabricia e da Mallu:


Só consigo rir daquilo! - Eu não tô acreditando! Por que não me falaram que era para vir fantasiada de referências da web? Assim teria me vestido de muro que o Trump que construir e não de Unicórnio da Modinha!

A ideia seria mais ou menos assim:
- Foi mal, não deu tempo de avisar – explica Fabricia – mas calma que, ano que vem, tem mais Carnaval e mais memes da web, se Deus quiser!

Passada a crise de riso, eu apresento Antônio-Chouri ao pessoal.
- Gente, esse aqui é um grande amigo de infância, o Chou... Antônio. Cara eu vou levar um tempo pra me acostumar a te chamar de Antônio!
- Hahaha, de boa. – diz ele tranquilamente.
- Hahaha, então, Antônio, esses são Johnny, Fabricia e Mallu. - e os três o comprimentam – Vocês acreditam que a gente não se vê a mais de 20 anos e nos encontramos, por acaso, aqui no McDonald´s!
- O que?! – Exclama Fabricia.
- Pois é, erámos colegas de infância e estávamos aqui recordando do nosso passado.
- A última vez que nos vimos nós devíamos ter uns 7 anos de idade. – Explica Antônio.
- Caramba, que viagem! – Exclama Johnny.
- Eu acho tão legal isso, reencontrar alguém do passado – Confessa Mallu.
- Também acho o máximo. – Confessa Antônio – Aliás vocês estão indo para o Bloco do Bambas do Catete?
- Estamos sim e estamos até atrasados – Afirma Johnny.
- Pô, eu também tô indo pra lá, encontrar uns amigos, bora todo mundo junto?
- Aaah bora! – digo animada.
- Beleza, deixa eu só comprar um lanche e a gente vai.

E com isso vamos nós 5 juntos para o Bloco e, no meio do caminho, vou contando a Antônio-Chouri sobre alguns fatos que aconteceram na minha vida nos últimos 4 anos, como a morte da minha mãe e minha mudança para a Rua da Laranjeiras.

- Nossa Camila, que tenso, sua mãe morreu de câncer? – Pergunta ele com a voz triste.
- Pois é, pra você vê. Mas acredita que minha mãe fumou até a véspera da morte! Era aquilo, tava na pior mas o cigarro era seus companheiro.

E vamos andando e conversando até chegarmos no Bloco, que já está lotado. Ele pega o celular e liga para seus amigos para saber onde estão? Não demora muito para esses aparecerem e se juntarem a nossa patota e assim formamos um grande bonde de Carnaval. Foi divertido mais do que o esperado? Foi divertido mais do que o esperado! E eu e Antônio-Chouri trocamos whatsapp e redes sociais? Eu e Antônio-Chouri trocamos whatsapp e redes sociais, claro que fizemos isso! Afinal foi um reencontro cósmico! No final do Bloco ainda fomos até a São Salvador tomar uma e gastar mais conversa fiada, era Carnaval e aquilo ali estava mesmo divertido, com um monte de gente fantasiada na rua.

- É disso que eu gosto, dessa zoeira! – Digo a Antonio-Chouri enquanto dou um gole na minha garrafa d´agua.
- Eu também, cara, essa festa é uma putaria só mas eu adoro... – afirma ele - Cara que horas são?!
- Sei lá, deve ser quase meia-noite, por que?
- Eu tenho de ir, minha mãe desfila hoje, quero ver como vai ser.
- Espera um pouco aí, você está me dizendo que sua mãe ainda desfila?!
- Linda e bela pela Portela! E se Deus quiser vai dar Portela esse ano!
- Caramba Chouri, não tô acreditando! Tia Quitéria manteve o samba no pé!
- Nessa família todo mundo é bom de samba, menos eu! O que me lembra que alguém adorava Carnaval e foi Passista Mirim de um certo Bloco nascido lá na quadra do Cardosão...
- CALA A BOCA, CHOURI!
- Qual foi Camila, você sambava super bem, não é possível que tenha esquecido!
- Mas esqueci, acredite!
- Ninguém esquece como samba, é como andar de bicicleta, samba aí, cara!
- Sambo se você sambar.
- Pois não seja por isso!

E Antonio-Chouri começa a arriscar um passos de samba meio Carlinhos de Jesus com dor de barriga e eu não resisto e o acompanho num passo de Selminha Sorriso com o salto quebrado na avenida, é uma cena ridiculamente engraçada! Fabricia tira o celular do bolso e começa a filmar enquanto Johnny e Mallu não resistem e sambam (ou tentam sambar) juntos!
- EU TÔ FAZENDO LIVE NO INSTA, HEIN! – Avisa Fabricia.
- Aaaah não, amor, desliga isso agora! – Exije Mallu.
- Nem pensar, tá ótimo e já tem 3 pessoas assistindo!
- Qual foi, Fabricia! Vacilo! – Digo

E caímos todos na gargalhada. Que final de noite espetacular. E então que Antonio-Chouri coloca as duas mãos no meu ombro, me vira pra ele e diz:
- É sério, Camila, eu vou nessa, não quero perder o desfile da Portela. Minha mãe já tá puta que não tô lá, se contar que não assisti ela fica chateada. Melhor não arriscar. Mas a gente vai se falando, já tenho o seu whatsapp. Bora marcar alguma coisa ainda essa semana.
- Por favor, não quero perder contato! – afirmo.
- E não vamos perder, prometo. – E ele me dá um forte abraço e um beijo na bochecha esquerda e depois segue andando pela rua.

Assim que Antonio-Chouri se afasta, Fabricia vem até mim e confessa ao pé do meu ouvido:
- Uma graça, hein.
- Não é! Cara que loucura foi a gente se reencontrar depois de tanto tempo!
- É, mas você entendeu o que eu quis dizer...
- Não Fabricia, não rola. Ele é meu amigo, amigo mesmo, tipo o Johnny. Não o vejo com outros olhos, impossível!
- Uma pena, vocês formam um belo casal... – afirma ela me dando uma piscada de olhos e se afastando.

Pronto, o “Veneno” foi lançado! Eu e Antonio... digo, Chouri... NO WAY!



Rio de Janeiro, bairro das Laranjeiras
28 de fevereiro de 2017
12h44 pm

CÂMERA EM PLANO GERAL SOBRE O MEU QUARTO, COMIGO SENTADA NA CAMA COM O NOTEBOOK NO COLO – FALO EM VOZ ALTA E PARA MIM MESMA:
Bom, eu fiz aquilo o que qualquer um faria no meu lugar: adicionei o sujeito no Facebook e logo tratei de stalkear a sua vida, afinal já haviam se passado mais de 20 anos e eu precisava saber no que o meu ex-BFF de infância havia feito esse tempo todo. Em seu perfil há fotos de viagens suas a Portugal, a Espanha, a França... deve ser uma delícia estar na Europa... há fotos suas de cabelo azul, cabelo verde, cabelo preto comprido... gente que camelão!... Há fotos com o pai no bom e velho Bar do Chouriço (tio Vicente! Não mudou nada, só ganhou aquela barriga de chopp e perdeu cabelo no alto da cabeça), há fotos com os irmão (a tal de Julia eu já vi no elevador do prédio – é baixinha, magra, cabelos escuros ondulados e compridos que vão até o meio das costas e também faz o estilo roqueira - só não fazia a mínima ideia que morava aqui e que era irmã dele!), há fotos com a mãe (tia Quitéria também não mudou quase nada, continua com um corpão, tomará Deus eu chegar aos 54 anos assim!), há fotos da ex-namorada... ela é bem sem sal, tem cara de peido... mas por quê eu estou vendo fotos dele com a ex-namorada? Nada a ver! Pula essa parte!... Fotos dele com a banda... ISSO! Fotos com a banda, isso sim vale a pena ser visto! Clico no link da página dele e paro na Fan Page DEMODES KILLERS. Há muitos vídeos de apresentações... tem uma aqui que é interessante – TOXIC DA BRITNEY SPEARS BY DEMODES KILLERS. Sério isso, Toxic versão metal?... OK, vamos ouvir... uuh... uuuuh... UUUUUUH... EU GOSTEI! Sério! Louco mas irado! Me lembrou muito a versão feita pelo A Static Lullaby (https://www.youtube.com/watch?v=4xwXOj55nIY).

O que mais eles tem aqui?... ALEJANDRO DA LADY GAGA BY DEMODES KILLERS... OK, isso está começando a ficar interessante!... HAHAHAHA, muito bom! Adorei! Meio versão da banda Helia (https://www.youtube.com/watch?v=CaBzi4T6h78)... Tem essa aqui também, ROLLING IN THE DEEP DA ADELE BY DEMODES KILLERS… Me julguem mas eu gostei mais que a versão original! Lembrou a do Frog Leap Studios (https://www.youtube.com/watch?v=x2Oh7STrSIk)... Gente, tem músicas nacionais também! Como assim, BANG DA ANITTA BY DEMODES KILLERS! Meio Canal Tragicômico (https://www.youtube.com/watch?v=TvdE5Uu6yuo).

Olho direto pra câmera e falo: A banda dele é mesmo boa! E o Chouri canta bem!

Chouri, o meu Chouri, aquele Chouri fofinho que quase caia no choro quando as outras crianças riam dele por causa do apelido, agora tá aí, de cabelo descolorido e soltando a voz de metaleiro e mostrando que dá pra ornar Anitta com Sepultura. Eu não tô acreditando! Curti a página deles... e os segui no instagram... e curti as 5 últimas fotos que eles postaram... e cliquei no botão de notificação do canal deles no youtube... já tá bom, né!

Pego o celular pra ver se tem algum whatsapp dele... nada. OK, tudo bem, vamos manter contato só não vamos ser os BFF que erámos antes e isso É normal. É NORMAL repito a mim mesma. Super normal e não há porque eu ficar triste. Normal, normal, normal... mas devo ou não devo mandar um whatsapp pra ele? Do tipo “Oi Sumido!”... não, deixa de ser ridícula, Camila.

De repente aparece na tela do meu notebook a seguinte mensagem:
Antônio Carlos Ribeiro convidou você para o evento DEMODES KILLERS no Calabouço Heavy & Rock Bar
Sábado, 4 de março às 20:00 – 3:30
Calabouço Heavy & Rock Bar
Rua Felipe Camarão, 130, 20511-010 - Rio de Janeiro

Opa, show da banda dele, e ele me convidou! Que legal! Confirmo presença na hora e ainda convido maior galera pra ir, incluindo a Fabricia e o Johnny, mas depois percebo que me empolguei mais do que deveria. Por que isso, hein? É só um show e nem sei se vou poder ir. Quer dizer, eu tenho um monte de coisas pra fazer como... como... (olho ao meu redor procurando uma boa justificativa para mim mesma)... como dar banho na Cake! NÉ CAKE?!

E ela leva um susto e me olha na hora!

CÂMERA EM BAIXA, SOB A VISÃO DA CAKE PRA MIM
- Não é, filha? Vamos tomar banho?! – E ao ouvir a palavra “banho” ela foge.

OK, vou no show do Chouri nesse sábado.

Trilha sonora da cena:



Rio de Janeiro, bairro das Laranjeiras
1 de março de 2017
15h17 pm

CÂMERA DOLLY
Quarta-feira de cinzas, o que é que todo carioca faz numa quarta-feiras de cinzas? Descansa da ressaca de Carnaval e assiste a apuração do Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial. E o quê é que vou fazer hoje?... Exato! Vou descansar e ver a apuração do Desfile das Escolas de Samba!

Me jogo no sofá, pego o controle remoto, liga a TV e já sintonizo na Globo. E não demora muito para a apuração começar.

Olho para a câmera e falo: Eu nem tô tão empolgada assim, até já sei o resultado, ou vai ser Beija-Flor, ou Mangueira, ou Grande Rio que homenageou a Ivete. Aliás a Grande Rio é aquela tua prima rica, chique, fina, que geral gosta mas dá sempre meias de presente de Natal. Tadinha dela.

A apuração começa mas mantenho minha atenção voltada para as conversas no whatsapp:
FABRICIA: Torcendo pra Portela, precisa dar Portela esse ano!
EU: Também queria muito que a Portela ganhasse, entra sai e sai ano e é sempre um 7x1 na vida dessa Escola.
FABRICIA: Num é!

Olho de novo para a tela da tv e, de repente, vejo que a Portela está em primeiro lugar com outras 3 Escolas enquanto a minha Vila Isabel tá entre as últimas. Volto para a conversa no whatsapp:
EU: Que vacilo, Vila Isabel já tá lá em baixo.
FABRICIA: Tijuca também, mas depois do acidente que teve não me admira essa posição. Hey, que evento foi aquele que me chamou no face?
EU: Evento? Que evento? Não chamei pra nada, tá loca?
FABRICIA: Chamou sim! Para um tal de calabouço? Que isso?

Daí me lembro da apresentação do Chouri.

EU: AAAAAH sim, é um show do meu amigo, aquele do Bloco do Catete, o que vc achou bonitinho.
FABRICIA: AAAAH TÁ, o tal do Xouri.
EU: Chouri, de chouriço, esse msm.
FABRICIA: Ele toca? O Q? (EMOJI PENSATIVO)
EU: Heavy Metal. Nada a ver, eu sei, vc olha pra ele e não imagina isso.
FABRICIA: Realmente não imagino! (EMOJI ASSUSTADO)
EU: Ele e a banda pegam músicas pop e fazem versões Heavy Metal. Olha isso. (e mando o link do canal deles no youtube) FABRICIA: Já vou ver! PORTELA EM SEGUNDO!

Ah?! Olho de novo pra tela da TV e a Portela já está em segundo lugar. OK, isso está começando a ficar interessante. Abro o Twitter e lá está a hashtag PORTELA nos TT´s. O povo quer mesmo ver essa Escola campeã. Tô sentindo as energias positivas daqui! Johnny me chama no whatsapp:
JOHNNY: Se a Portela ganhar eu vou pra quadra.
EU: CAÔ! Vc não gosta de samba!
JOHNNY: Mas gosto da Portela, por ela eu vou.
EU : Só acredito vendo!
JOHNNY: Então aguarde...

Chamo Fabricia de novo no whatsapp.
EU: Johnny disse que se a Portela ganhar ele vai na quadra comemorar.
FABRICIA: MENTIRA!!!!! Calma aí...

E Fabricia chama a nós dois no grupo MEAN BITCH.
FABRICIA: É IÇO MSM? GERAL NA QUADRA DA PORTELA MAIS TARDE?!!!! (EMOJI DE ASSUSTADO)
JOHNNY: Só se ela ganhar. EMOJI PISCANDO
FABRICIA: OK, se ela ganhar eu vou pra quadra. KKU?
EU: Vou tbm, afinal amanhã não trabalho mesmo! (EMOJI RINDO)
FABRICIA: É, joga na cara.
JOHNNY: CARALHOOOOOOOOOOOOOOOW! PORTELA TÁ EM 1°!!!!!!!

Olho assustada para a TV e não creio no que estou vendo, a Portela em primeiro lugar! E faltam só 2 importantes votos para definir a grande campeã do Carnaval 2017! Será possível isso? Mais de 20 anos depois eu reencontro o Chouri e, como que por um milagre, isso dá sorte pra Portela e isso faz com que ela se torne campeã?... É, é possível, e aconteceu... A PORTELA GANHOU!

Só consigo levantar do sofá e dar um grito:
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

Cake começa a latir com a minha euforia! O Vizinho grita de emoção, um misto de grito com choro de emoção! Esse é portelense legítimo:
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!



E eu grito de volta porque... né:


São muitos gritos dentro de um episódio só mas CARALHO, A PORTELA É CAMPEÃ DO CARNAVAL 2017! Saio correndo e pulando e comemorando sozinha pela sala e isso porque nem Portela eu sou, sou Vila Isabel! Mas, sei lá, nunca a vi ganhando o Carnaval, uma Escola tão clássica, merecia isso faz tempo! Faço minha dança da vitória para Cake ver que não entende nada, só late! Daí pego o celular novamente e mando mensagem no grupo:
EU: BORA PRA QUADRA, PORRA!!!!!
JOHNNY: CARALHO, BORA! Fabricia?
FABRICIA: VAMOS! VAMOS! VAMOS!!!!!!! \o/

E, no meio daquela euforia toda... whatsapp do Chouri:
ANTÔNIO/CHOURI: Camila sou eu, Chouri, tô indo pra quadra da Portela encontrar a minha mãe q tá lá, ela perguntou se vc não quer ir tbm pra comemorar? Vamos?

Chouri!... Oh God... penso por alguns segundos... OK, vamos! Hoje é dia de samba, bebê!

EU: Oi Chouri! Eu topo! Tava marcando com o pessoal msm! Vamos lá! Vc vem me buscar?
ANTÔNIO/CHOURI: Vou sim, me espera na portaria do seu condomínio daqui a uns 20 minutos.
EU: Tá! Bjs
ANTÔNIO/CHOURI: Bj

Volto para o grupo MEAN BITCH e aviso:
EU: Vou com o Chouri, ele vem me buscar.
FABRICIA: UUUUUUUUUH! Pra quem disse que não tava rolando nada...
EU: E ñ está sua idiota, a mãe dele desfila pela Portela e ele vai me levar até lá pra comemorar de boa. E acho ótima essa carona pois não faço a mínima ideia de como chegar lá????
FABRICIA: Eu idem! VOU DE UBER!
JOHNNY: Meninas, encontro com vcs lá então, pra mim é mais próximo. Vou nessa agora pq já tá lotado lá! Chegando me avisem. Bjs
EU: Bjs Johnny, cuidado por favor! Vou trocar de roupa e descer pq o Antônio vem me buscar e tô de pijama, acreditam? Não tinha me programado pra sair hj.
FABRICIA: Nem eu, vou trocar de roupa tbm. Chegando lá me avisem. Vamos tentar nos ver, sério. Bjs!
EU: Bjs!

Encerro a conversa e corro para o armário para escolher uma roupa. Cacete, o que eu visto? Nessa hora dá bloqueio fashion!... OK Camila, foco, não é nada demais, é só seu amigo vindo aqui para te levar para uma celebração e não um encontro. Veste qualquer coisa confortável e fresca que tá ótimo! Poe logo aquele seu short jeans + camiseta regata + sapatilha e seja feliz! E é o que eu faço e tá perfeito!

Devidamente vestida eu pego a minha bolsa, me despeço da Cake, tranco o apartamento e desço e já dou de cara com Antônio-Chouri que me aguarda encostado na entrada da portaria. Me aproximo e lhe cumprimento com 2 beijinhos na bochecha.
- Oi. – digo amigavelmente
- Oi. – responde ele formalmente.
- E aí, feliz? Portela campeã! – respondo mais animada.
- Nem fala, 33 anos de espera! É a primeira vez que vejo uma coisa dessas! – responde ele empolgadíssimo.
- Eu também nunca tinha visto uma vitória deles, finalmente! Foi só eu nascer para os caras pararem de ganhar!
- HAHAHA, e foi a gente se reencontrar para os cara vencerem. – observa ele. Caramba, ele pensou o mesmo que eu!... MUDA LOGO DE ASSUNTO PRA NÃO GERAR UM CLIMA DE ROMANCE! MUDA AGORA DE ASSUNTO!
- Ah... então vamos! Meu amigo falou que a quadra já tá cheia!
- Vamos, claro! Vem... – e Chouri me faz acompanha-lo até a sua moto... peraê, ele tem uma... MOTO!
- PORRA! – digo em voz alta.
- Eu sei, irada, né? Presente do meu pai, ele é louco mas é um pai generoso com todos os filhos. Precisa ver o carro que deu de presente ao meu irmão! Sobe aí!

UAU! E meio sem-graça eu subo na garupa da sua moto e enrosco meus braços ao redor da sua cintura... Chouri tá forte.. FOCO, CAMILA! FOCOOOOOOO!
- Segura aí! – avisa ele.

E saímos pelas ruas de Laranjeiras rumo a Oswaldo Cruz que, claro, era o centro do Rio de Janeiro naquele exato momento, vai ser praticamente impossível encontrar com o Johnny e a Fabricia aqui. Antônio-Chouri dá a volta e paramos na Rua Firmino Fragoso, uma rua antes da Clara Nunes. Descemos da moto e ele a estaciona na garagem de uma casa, vou atrás e ele explica:
- É a casa da minha mãe, melhor e mais seguro deixar a moto aqui do que estacionada na rua.
- É, tão razão.
Aproveito que ele está estacionando a moto e pego o meu celular e mando uma mensagem no grupo:
EU: Cheguei, onde vocês estão?
Ninguém responde. Entro no instagram e vejo que Fabricia já postou uma foto da quadra, bom, ela está aqui em algum lugar, basta acha-la.
- Vamos? – E meus pensamentos são interrompidos pela voz de Chouri.
- Vamos! Será que a gente consegue encontrar alguém aqui no meio dessa muvuca toda?
- Bora tentar! HAHAHA.

É praticamente um parto ao contrário pra entrar naquela quadra mas a gente consegue! Chouri segura na minha mão e me sai arrastando no meio daquele povo todo até que, num canto mais isolado, ele encontra a mãe e uns membros conhecidos da Portela e é uma euforia.
- OI MÃE! – berra ele afim de ser ouvido.
- FILHO! – e Quitéria o recebe com um forte abraço. Os dois falam umas coisas que não consigo prestar atenção porque está um barulho surreal ali dentro, fora o calor! Gente difícil, vou cozinhar aqui dentro! Ainda bem que vesti esse short e essa regata. Tento me abanar inutilmente com as mãos e todos olham.
- MÃE, LEMBRA DA CAMILA? – pergunta ele a Quitéria, apontando pra mim.
- QUE PERGUNTA, MENINO, MAS É CLARO QUE ME LEMBRO DELA! VEM AQUI, CAMILINHA, VEM E ME DÁ UM ABRAÇO! – e tia Quitéria me puxa para si e me dá o abraço mais forte, aconchegante e suado (AFF!) que recebi nos últimos tempos.
-OI TIA QUITÉRIA! – berro de volta, só berrando para mantermos um diálogo naquele momento pois o barulho (digo, comemoração) ao nosso redor tá demais!
- OI CAMILINHA, OLHA SÓ PRA VOCÊ, UMA MULHER FEITA! TÁ LINDA! A CARA DA SUA TIA!
- QUÊ?! – essa é boa, a cara da minha tia.
- ALIÁS COMO ELA ESTÁ?
- TÁ ÓTIMA – pra não dizer “sei lá, tô pouco me fodendo pra essa vaca”
- QUE BOM, ANTÔNIO ME DISSE QUE VOCÊ PERDEU A SUA MÃE.
- É TIA, VAI FAZER 4 ANOS ESSE ANO. – e meu tom de voz muda.
- EU LAMENTO, MAS OLHA, HOJE É DIA DE ALEGRIA, A MINHA PORTELA, DEPOIS DE TANTO TEMPO, GANHOU O CARNAVAL, VAMOS COMEMORAR! AQUI, TOMA – e ela me oferece uma lata de cerveja. Que mulher.

E mesmo cheio, quente, confuso, barulhento e um caos, aquilo ali tava animado! Eu dancei! Eu sambei (aquele samba maluco mas sambei!), eu bebi, eu fui até o chão com as minas lá da comunidade, eu suei, eu me descabelei, eu bebi mais um pouco, eu fiz selfie, eu fiz story no insta (Snapchat is over), eu fiz foi muita loucura, eu nem sei mais quem eu sou! Só sei que estou feliz e já são quase 2 da manhã e nada de Fabricia e de Johnny e, de repente, tia Quitéria arrasta a mim e ao Antonio-Chouri pra sua casa. - Vão dormir aqui e amanhã vocês vão embora. – diz ela puxando os dois pelos braços.
- Mas eu tô ótimo, mãe! Ô, posso pilou... pilou... pegar na motoca! – explica Chouri apontando para um carro.
- É, tá sabendo legal. – debocha sua mãe.
- Tia, tá tudo bem, sério, eu vou e peço um Uber aqui, ô – e tiro o celular da bolsa e tento desbloqueá-lo mas não consigo, também ele está de cabeça para baixo.
- É, tô vendo, vai conseguir chamar um URBI de boas! – debocha ela de mim.

Vexame, 2 piguços sendo arrastados pelos braços. Tia Quitéria nos leva até a sua casa e nos coloca deitados na sua cama. Sim, os 2 deitados na mesma cama. Eu ainda tento retrucar, dizer que sou capaz de chegar em casa mas ela ignora e me põe pra dormir igual quando erámos crianças:
- Descansem vocês dois, amanhã é 1° de janeiro de 2017. Boa noite e durmam com Deus.

Ela dá um beijo na minha testa e um na testa de Antônio e os dois apagam num sono profundo.

Sinto minha cabeça latejar e uma sede enorme. Abro os olhos devagar e os vou piscando várias vezes até me dar conta de que não estou no meu quarto e nem na minha casa! Levo aquele susto de alguns segundos, que quarto de tia é esse? Viro para o lado e vejo Chouri no décimo terceiro sono e... CHOURI?!
- Chouri?! – Exclamo em voz alta, daí me lembro do que aconteceu na noite passada e que estamos na casa da mãe dele e caímos bêbados em sua cama por conta da farra de ontem. UFA, não foi nada de louco como “bebemos e transamos sem parar”.

Me levanto devagarinho e, na ponta dos pés, saio do quarto. Olho ao meu redor e vejo que há um corredor que leva até a cozinha. No meio do corredor há vários porta-retratos com fotos de Chouri e seus irmãos em diferentes momentos de sua vida. Paro por alguns segundos para olhar essas imagens. Dá pra ver que tia Quitéria é uma mãe orgulhosa da sua cria. Continuo andando até o final do corredor e a encontro na cozinha passando um café. Uuuh, cheirinho de café fresquinho, lembrou o que a minha mãe fazia.
- Aaah, acordou cedo. – observa ela – Pensei que fosse dormir até tarde, pelo menos o Antônio só deve acordar depois do meio-dia.
- Oi Tia Quitéria, bom dia. Desculpa o papelão, onde já se viu ficar naquele estado.
- Aaah para Camilinha, era dia de festa, de celebração, eu mesma bebi absurdos! Só que não sou tão fraca assim como vocês dois, anos de experiência, filha!

E eu tento segurar meu riso.

- Senta, fiz café, quer um pouco? – me pergunta
- Por favor!

Puxo uma cadeira e me sento e ela se senta a minha frente, colocando uma xícara para cada uma e depois as enche de café.

- Quer comer alguma coisa? Tem pão fresquinho que o menino da padaria deixou na minha porta hoje de manhã. – oferece.
- Hum, igual a sua tia.

Porra, de novo me comparando com a minha tia! Não sou obrigada.

- Sabe, olhando pra você assim, mulher feita, me passa um filme na cabeça. Foi ontem que você e Antônio eram crianças e brincavam juntos no Miraflores. Você era tão atentada, Meu Deus! Parecia um motorzinho! Todos os professores reclamavam do seu comportamento.

Fico meio sem-graça com a comparação e dou um gole generoso no café.

- Mas, por um outro lado, você era cheia de vida, energia, e isso foi ótimo para o Antônio na época.
- ...como assim? – pergunto curiosa.
- Ele era muito tímido, e muito sozinho quando menininho. Quase não falava, era afastado das outras crianças, sabe, e você foi a primeira amiga que ele teve na vida.

Paro e a observo.

- É, você apareceu e tudo mudou! Ele contava as horas para ir para a creche só para ver você. Acordava bem cedo todos os dias, antes de mim e do pai, e dizia “Mamãe, vamos, quero chegar antes da Camila para ela não achar que não vou hoje”, e chegava final de semana dizia “Mamãe, por que não posso ir para o Miraflores hoje? Quero brincar com a Camila, eu sinto falta dela, traz ela pra ficar comigo aqui em casa”. E quando deixamos o Brasil não sabe o sofrimento que foi, ele sentiu muito a sua falta! Era “Camila” pra cá, “Camila” pra lá, não foi fácil. A amizade de vocês era a coisa mais linda do mundo.

Sinto uma emoção tão grande naquele momento que seguro as lágrimas para não chorar. Não sabia que Chouri gostava tanto assim de mim.

- Não sabe o quanto eu fiquei feliz quando ele me disse que havia te reencontrado depois de tanto tempo. Ele deve ter te contado a sacanagem que o pai dele fez comigo naquela época, não contou? – pergunta ela.
- Contou. – respondo meio sem-graça e dando mais um gole no café.
- Então... – e ela desvia o olhar e o fixa para um ponto da parede, meio que lembrando de alguma coisa, mas sem parar de falar - te juro que, se pudesse voltar no passado, eu não teria ido para Portugal, eu ia ficar. E tanta coisa seria diferente hoje, eu teria evitado tanto sofrimento, tanta coisa ruim... – e ela volta a olhar para mim - e vocês dois teriam crescido juntos. Hoje eu vejo que fiz mal em deixar o Brasil.

E o olhar de tia Quitéria parece triste. Seja lá o que aconteceu nessa época foi bem punk. Tento amenizar a situação:
- Tia... minha mãe dizia que não adianta nada chorar pelo leite derramado porque já foi, e é verdade. Se concentra então no hoje. Olha como o Chou... Antonio ficou bonito, um rapaz, descente, de bem. E seus outros filhos são lindos, jovens cheios de vida, e olhe ao seu redor, a casa que construiu, a vida boa e confortável que leva hoje, muitos gostariam de ter, pelo menos, 1 terço do que você tem. E o principal, agradeça por estar viva, com saúde! Quisera eu ter minha mãe aqui nessas condições. Continue andando para frente sem olhar para trás – e estico minha mãe direito e seguro a dela.

Ela enxuga uma lágrima que insiste em “vazar” e depois aceita meu gesto de carinho e segura na minha mão.

- Vai dar tudo certo – lhe digo ainda segurando a sua mão – seja lá o que tenha acontecido, vai dar tudo certo!

E passada a ressaca moral e a conversa matinal, eu me vou embora. Me despeço de tia Quitéria e vou para o portão de sua casa onde chamo um Uber, vai levar uns 7 minutos até ele me buscar, enquanto espero dou uma olhada no whatsapp e vejo as mensagens de Fabricia e Johnny no grupo:
20h21
FABRICIA: Gente cadê vcs?!!! Isso aqui tá cheio pra caralhow! Conseguiram entrar?
JOHNNY: Eu entrei mas sai uns 10 minutos depois, impossível ficar lá dentro. Fabricia tem um podrão aqui na entrada, vem pra cá, te espero bem em frente a barraca.

20h43
FABRICIA: Cacau, eu o Johnny fomos para um bar que fica logo no final da Oswaldo Cruz, quando chegar vem pra cá, nem entra na quadra, aqui tá melhor, de boas.

21h08
FABRICIA: Cacau, vc vem mesmo? Tá aonde?

23h09
JOHNNY: Gata estamos indo embora, dá sinal de vida quando ler essas mensagens. Bjs
FABRICIA: Pegou o tal de xouri, foi?

Aaah Fabricia! Por que, pra você, tudo precisa terminar em pegação?

Meu Uber chega. Sento no banco de trás, encosto a cabeça no vidro da janela e fico recordando o que a tia Quitéria disse, do quanto eu fui importante na vida do Chouri, não sabia que ele era uma criança sozinha e eu fui sua primeira e única amiga durante os primeiros anos de sua vida. Quer dizer, eu sabia que havia sido importante para ele mas não TÃO importante assim. Achei que nossa amizade só tinha causado um impacto significativo na minha vida, mas não. É nessas horas que nos damos conta de que podemos fazer a diferença na vida de alguém, sim!

E pensando no cidadão, eis que o próprio me manda mensagem:
ANTÔNIO/CHOURI: Acordei e minha mãe disse que vc tinha ido embora. Cara que loco foi a noite de ontem, mas foi muito irado. Adorei tudo. Adorei te reencontrar, isso me deixou muito feliz 👦. VC vai mesmo no show de sábado? Vai significar muito pra mim vc ir. Tô pensando em fazer uma surpresa. Aguarde.

Surpresa? SURPRESA? É sério isso, Arnaldo? Que surpresa é essa?!

Celular vibra, mensagem de Valentina:
VALENTINA: Gata tô voltando hoje para o Rio, bora nos encontrar na sexta? Tive algumas ideias para o meu canal no YouTube e super quero conversar com você a respeito.

Celular vibra novamente, mensagem de Pedro:
PEDRO: Hey, tudo bem por aí? Como foi de Carnaval?

Pedro, aí Meu Deus, Pedro, meu coração chega a ficar apertado. Não estou sabendo lidar com tantas emoções.

OLHO DIRETO PRA CÂMERA E FALO SÉRIO:
- Confessar uma coisa pra vocês, esse momento parece MUITO com uma série do Netflix!

Música que encerra o episódio:

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Cacau dos Santos

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Sobre a série

Projeto com conteúdo 100% autoral, baseados em situações que ocorreram em minha vida. Alguns personagens são fictícios, outros tiveram seus nomes e características físicas alterados para preservar a identidade real dos envolvidos.

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